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23 fevereiro 2016

Justiça, Misericórdia e Perdão


Na Bíblia, a palavra “misericórdia” aparece centenas de vezes.  Eu afirmo, até, que “misericórdia” é um dos grandes temas bíblicos. Acima de tudo, a Bíblia revela a Misericórdia de Deus, o Deus Misericordioso e Justo. Sim, porque Misericórdia e Justiça são lados de uma mesma figura, no conceito bíblico! É Deus quem julga a humanidade e Sua Justiça se baseia na Misericórdia
Em Mateus 5:7 Jesus diz: “ Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia”. Deus é misericordioso com quem exerce a misericórdia: “Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa do juízo.” (Tiago 2:13), ou seja a misericórdia está acima do juízo!  Assim, a misericórdia é algo a ser exercida como obediência a Deus! O julgamento de Deus se baseia no critério de cada pessoa.  Jesus afirmou “Porque, com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.” (Mateus 7:2).
Todavia, quando pensamos em julgamento por Deus, muitas vezes imaginamos o Senhor como um juiz severo e mal encarado, feliz em condenar sem apelações (na verdade, em nossa cultura ocidental fomos ensinados assim!). Mas não é assim! Porque o juízo misericordioso de Deus tem, como prioridade, o Perdão!  O Perdão é o terceiro lado que compõe, com a Misericórdia e a Justiça , a figura imaginária do Deus Amoroso que se revela em Jesus, o Cristo.

      O Perdão não exclui a Justiça, que exige uma reparação ou uma satisfação, mas é induzido pela Misericórdia diante do culpado que tem consciência de sua culpa e dela se arrepende. A reparação ou a satisfação, exigidas pela Justiça, não devem ser entendidas como vingança, mas como correção. Entendidas como vingança, não expressam Justiça, mas o “pagar o mal com o mal”.
Perdoar é abandonar a esperança de um passado melhor!”  Li essa frase em um artigo há alguns meses, e fiquei impactado por ela.  Posso dizer, como paráfrase, que  perdoar é a criar a esperança de um outro futuro, melhor!  Oferecer uma nova oportunidade, uma nova chance, desligando o passado e abrindo-se ao futuro!  
De fato, quando alguém nos causa o mal, nossa reação é de ira; da ira passa-se ao ódio, ao ressentimento e à amargura, sentimentos que nos fazem ruminar constantemente o acontecido, prendendo-nos em um passado que não pode mais ser mudado!  Uma situação neurótica, uma rua sem saída. Perdoar é romper com esse circuito fechado em torno do nosso próprio umbigo e abrir novas portas para nós mesmos e para os outros.
O Perdão é filho da Misericórdia e promove uma Justiça além do castigo. Para sentir misericórdia é preciso um coração renovado que tenha experimentado a Graça de Deus, ou seja, que tenha experimentado a Justiça Misericordiosa de Deus, a libertação da Culpa e o vislumbre de novos horizontes.  Isso é a Graça de Deus, manifesta em Jesus, o Cristo.
Mas para isso, é preciso reconhecer a Misericórdia de Deus, que antes de julgar e cumprir a Justiça, apresenta a oportunidade do Perdão diante do arrependimento. O arrependimento é reconhecer que falhou, que cometeu um erro, que fez algo inadequado e, certamente, injusto; é querer voltar  atrás e não fazer o mal que foi feito; ou, quando possível, desfazer o mal feito. Nem sempre o mal que foi feito pode ser reparado. Aliás, na grande maioria das vezes, o mal que se causa a alguém não pode mais ser reparado.  O arrependimento se torna então o tormento da Culpa, um peso que a pessoa terá de carregar por toda a vida que lhe resta, a menos que receba a Graça do Perdão.
Assim, tanto quando praticamos o mal ou recebemos o mal de alguém, o resultado é sempre a dor. Ou a dor da Culpa, que chega mais cedo ou mais tarde, ou a dor do Ressentimento contra alguém que lhe fez algum mal. As duas situações acabam em neurose, criam um círculo vicioso em torno de nós mesmos e nos impedem de perceber a realidade das coisas que Deus está nos oferecendo.
É preciso que uma pessoa arrependida, em primeiro lugar, confesse seu erro, seu ato de desamor, para que ela mesma se perdoe, ou melhor, se abra ao Perdão. Diante de Deus, e com o firme propósito de corrigir o erro cometido até onde seja possível, confessar-se é o primeiro passo, para perceber a Misericórdia de Deus e acolher o Perdão.  
Isso se chama conversão! Mudança de rumo! Novos horizontes!
Por outro lado, ser movido pela Misericórdia, colocar-se no lugar do outro, e oferecer o Perdão a quem lhe fez mal, liberta você mesmo de todo rancor, de todo ressentimento, e te dá oportunidade de um novo olhar para as pessoas.
A Fé Cristã apresenta um futuro que já é presente: o Reinado de Deus! Jesus mesmo afirmou que o Reino de Deus está no meio de nós (Lucas 17.21)! Esse Reinado não é algo para um futuro além do tempo, um “mundo do depois”, mas é algo que acontece e está acontecendo agora! Começa pequeno, e como o grão de mostarda, se torna grande à medida que a vida caminha diante do Senhor, vida aberta ao Espírito Santo que distribui fartamente a Graça e os Dons da vida no Espírito!
Por que Deus amou você primeiro em Jesus Cristo  e oferece sempre a você – pela Sua Misericórdia – o Perdão, a ruptura com o passado, a possibilidade do recomeço, do futuro diferente;  se você abre sua mente e seu coração a Deus e recebe essa Graça, o Espírito Santo de Deus te fará um coração novo e um espírito reto, fará de você um promotor e anunciador do amor de Deus e um portador da Misericórdia.  E assim, na dinâmica da Misericórdia, de perdoar e ser perdoado, você recebe o Reinado de Deus em sua vida!
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Nota: A palavra "misericórdia" se apresenta, no dicionário, com vários significados, e pode assumir duas classificações morfológicas:
a) Como substantivo feminino:  sentimento de dor e solidariedade com relação a alguém que sofre uma tragédia pessoal ou que caiu em desgraça; dó, compaixão, piedade. Ato concreto de manifestação desse sentimento, como o perdão; indulgência, graça, clemência.
b) Como interjeição: exclamação de alguém que pede que o livrem de castigo, de ato de violência ou da morte. Reação de surpresa diante de algo inusitado: "Misericórdia! ele toca piano como um Mestre!".

Rev. Luiz Caetano, ost+

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