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24 janeiro 2012

A Graça é de graça! Jesus a recuperou para nós!

Jesus expulsa dem 5Uma das grandes contribuições da Reforma Protestante no século XVI foi a afirmação de que a Graça de Deus nos é dada… gratuitamente! Nós não precisamos pagar nada por ela, nem precisamos fazer nada para recebê-la, a não ser aceitá-la! A Graça de Deus foi conquistada para nós pelo ato redentor de Jesus Cristo, nosso Senhor! Jesus é o fiador de nossa dívida para com Deus, e Ele mesmo pagou essa dívida, de forma que não devemos mais, se aceitamos a oferta que o Senhor nos faz: tê-Lo como companheiro de jornada, seguí-Lo como discípulos e discípulas, fazer o bem como sinal da salvação que já recebemos!
Deus não tem uma contabilidade de nossas vidas de modo que tudo que fazemos é lançado como crédito ou débito! Deus não faz joguinhos chantagistas com a nossa vida! Ele nos oferece o Seu Amor incondicionalmente! A nós  cabe aceitar ou não a Graça!
Não há nada que possamos fazer para impressionar a Deus, de forma positiva ou negativa. Se assim fosse, Ele não seria Deus, seria um sujeito que precisa de agradinhos, um carente emocional! Ou um corrupto: toma lá, dá cá! Deus não é assim!
A decisão de estar ou não com Deus ao seu lado é uma decisão do Ser Humano! como em toda decisão tomada, há consequências. A narrativa bíblica sobre a queda humana, o chamado “pecado original”, em Gênesis 3, mostra o Ser Humano experimentando a tentação de ser igual a Deus, e aceitando essa tentação. Com isso, descobriu sua própria natureza de criatura, e ao invés de todo o poder, descobriu-se o todo impotente:
          A cobra era o animal mais esperto que o SENHOR Deus havia feito.  Ela perguntou à mulher: "É verdade que Deus mandou que vocês não comessem as frutas de nenhuma árvore do jardim? "  A mulher respondeu: "Podemos comer as frutas de qualquer árvore, menos a fruta da árvore que fica no meio do jardim. Deus nos disse que não devemos comer dessa fruta, nem tocar nela. Se fizermos isso, morreremos."  Mas a cobra afirmou: "Vocês não morrerão coisa nenhuma! Deus disse isso porque sabe que, quando vocês comerem a fruta dessa árvore, os seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecendo o bem e o mal."  A mulher viu que a árvore era bonita e que as suas frutas eram boas de se comer. E ela pensou como seria bom ter entendimento. Aí apanhou uma fruta e comeu; e deu ao seu marido, e ele também comeu. Nesse momento os olhos dos dois se abriram, e eles perceberam que estavam nus. Então costuraram umas folhas de figueira para usar como tangas. Naquele dia, quando soprava o vento suave da tarde, o homem e a sua mulher ouviram a voz do SENHOR Deus, que estava passeando pelo jardim. Então se esconderam dele, no meio das árvores. (Gênesis 3:1-8)
Atualizando o texto da narrativa, respeitando a situação histórica de quando o texto foi escrito, podemos entender o que está sendo dito na narrativa:  a “cobra” tenta  o Ser Humano com o poder (ser igual a Deus) e o Ser Humano viu que isso parecia agradável, atraente e desejável. Mas ao final, descobre-se nu, isto é, totalmente vulnerável e impotente diante de Deus. Ao invés de todo-poderoso (igual a Deus) o Ser Humano descobre-se vulnerável e com a consequência da fragilidade do poder.
O texto de Gênesis é uma narrativa mítica, isto é, pretende compreender uma realidade a partir de uma cosmovisão que marca a identidade social e política de onde foi escrito. Não cabe discutir a verdade histórica do que é narrado; seu autor não tinha nenhuma preocupação cartesiana ou positivista, mas queria compreender a situação de injustiça e dor que percebia em seu tempo e, baseado em sua cosmovisão, compôs esse “poema”. Nesse contexto da tradição do Antigo Testamento, o Ser Humano, enganado pela sedução do poder, arcou com as consequências e perdeu a possibilidade de “passear com Deus pelo Jardim da Criação”. 
Todavia, ensina a tradição cristã, que Deus não abandonou o ser humano à própria sorte, e toma atitudes para resgatar o que foi perdido pelo Ser Humano. Isso chamamos de “História da Salvação”, e assim o Antigo Testamento é compreendido pela Igreja.
Ao encarnar-se na História Humana, em Jesus o Cristo, Deus promove o resgate do Ser Humano, de forma que a comunhão antes rompida se estabelece. A isso chamamos Graça! Uma iniciativa gratuita de Deus resgatando a criatura que para Ele é mais que criatura:
   “Mas a misericórdia de Deus é muito grande, e o seu amor por nós é tanto,  que, quando estávamos espiritualmente mortos por causa da nossa desobediência, ele nos trouxe para a vida que temos em união com Cristo. Pela graça de Deus vocês são salvos.” (Epístola de São Paulo aos Efésios 2.4-5)
Isso foi o que percebeu, dentre outros, Martinho Lutero. A Graça nos é oferecida gratuitamente, porque somente Deus pode reconciliar-nos com Ele. Por isso, não precisamos fazer “boas obras” para merecer o amor de Deus, mas fazemos as boas obras como reconhecimento desse Amor que recebemos em gratuidade, porque qualquer dívida que tenhamos com Deus, Cristo, nosso fiador, já resgatou!
Infelizmente muitos hoje afirmam que para receber a Graça temos de pagar os dízimos (“toma-lá, dá cá!”), cumprir normas de conduta moral sem fundamentação ética (“ou você me obedece ou está lascado!”), seguir instruções e normas humanas de quem usufrui do poder simbólico da religiosidade do povo!  Ao contrário, damos os dízimos e organizamos nossa conduta nos princípios éticos do Amor, porque Deus nos amou primeiro e queremos levar essa Boa Nova aos confins da Terra! Fazemos as boas obras da salvação, porque as recebemos antes, de Cristo!
A tentação do poder absoluto ronda a humanidade em todas as culturas e em todos os tempos. Cada um de nós experimenta essa tentação no cotidiano: “a bola é minha, eu mando no jogo!”, “quem paga as contas aqui sou eu, por isso eu mando aqui!”,  e assim vai: nossas relações são marcadas sempre pela tentação de poder sobre o outro.  Aceitar a Graça que nos é oferecida em Jesus Cristo significa acima de tudo render-se ao Poder Absoluto do Amor Incondicional de Deus, e viver a vida dentro dessa sujeição amorosa (que os mais antigos chamam de obediência ou de temor a Deus).
Quando nos entregamos ao Amor Incondicional de Deus, as questões de poder desaparecem, porque, afinal, proclamamos o Reinado de Deus em Cristo, o mesmo Cristo que sendo Deus
    “[…] não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte — morte de cruz.  Por isso Deus deu a Jesus a mais alta honra e pôs nele o nome que é o mais importante de todos os nomes,  para que, em homenagem ao nome de Jesus, todas as criaturas no céu, na terra e no mundo dos mortos, caiam de joelhos e declarem abertamente que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus, o Pai.” (Epístola de São Paulo aos Filipenses 2.5-11)
Rev. Luiz Caetano, ost+
As citações bíblicas são da Nova Tradução na Linguagem de Hoje, Sociedade Bíblica do Brasil (http://www.sbb.org.br)
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18 janeiro 2012

Seguir a Cristo

                                             “ser livre é escolher o Bem, o Sumo Bem e o Sumo Bem é Deus”                                    John Duns Scotos Eurigina
vem_segue_meNão é de admirar que hoje os cristãos têm dificuldade de entender o que é seguir a Cristo.  Algumas passagens bíblicas falam que quem segue o Cristo fará maravilhas e proezas; outras passagens comentam que o maior é o que serve e será reconhecido por Ele. Hoje em dia isso fica confuso, principalmente quando ouvimos as mensagens dos tele-pregadores (tanto católicos romanos como evangélicos) falando de poder, riqueza, benção e fartura... sem nenhuma menção ao serviço.
Afinal, o que significa seguir a Cristo realmente?
Para entender o seguir, primeiro temos que entender o chamar. O cristão é chamado para se inserir no mundo em vida, atuação e “encarnação” (se tornar um igual). Ele é chamado pelo próprio Cristo para desenvolver sua vocação na história humana, na vida.
O cristão tem sua própria maneira de viver, agindo no mundo de acordo com sua inspiração, seus valores e sua espiritualidade. A identidade do cristão é um conjunto de características específicas, que qualificam sua vocação e o diferenciam de membros de outros grupos religiosos. No contexto atual, marcado pelo pluralismo religioso, o cristão é interpelado a assumir sua identidade . É desafiado a afirmar e cultivar sua fé, sua forma de celebrar, seu modo de agir e sua maneira de atuar.
Assim, para ser discípulo (aquele que atende ao chamado de Cristo) é necessário à pessoa viver pelo exemplo de como Cristo realizou o seu projeto. Então, a força do discípulo é entender isso e aplicar em sua vida , perceber que o anúncio do Cristo (kerygma) faz parte de sua ação de vida. A ação consciente, generosa, dócil e fiel à Deus deve impregnar o ser e o agir de quem segue o Cristo no mundo. Ele é chamado a seguir o Cristo em seu itinerário pessoal e social.
É importante que o discípulo entenda o contexto, a vida e a obra de Jesus, tornando sua realidade encarnada na dele. A única maneira de fazer isto é estudando as Sagradas Escrituras e participando dos Sacramentos da comunidade de fé.
O seguimento a Cristo implica a comunhão vital e constante com Jesus e compromisso irredutível com o próximo. Por isso, ele deve se identificar, paulatinamente, com Jesus e se conformar ao seu estilo de vida, de maneira que fique parecido com o Mestre.
O seguimento a Jesus engaja o cristão na missão de Deus. O discípulo  dá continuidade à missão de Jesus aqui e agora. Para nós, episcopais anglicanos, a perspectiva de encarnar no mundo faz com que esta missão seja sempre memória e afirmação da ação do Cristo na História.
Rev. Daniel, ost diac.
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10 janeiro 2012

Epifanias

batismo_de_jesusJá estamos na terceira estação do ano litúrgico, o tempo da Epifania. O ano litúrgico começou no Advento, seguiu-se o tempo do Natal e desde dia 6 de janeiro até o domingo no Carnaval, estamos no Tempo conhecido como Epifania. Neste período, os textos do Evangelho de cada domingo nos apresentam situações onde o Senhor se manifesta diretamente, e as lições bíblicas que precedem a leitura do Evangelho nos remetem às situações da vocação da Igreja, e por conseguinte, dos cristãos: o convite ao discipulado, o serviço, a comunhão e o testemunho.

É oportunidade de refletir sobre a forma como desenvolvemos nossa relação com Deus. Todas as pessoas experimentam, de uma maneira ou de outra, em algum momento de suas vidas,  a percepção da transcendência, um encontro com o Sagrado, um momento onde Deus se manifesta na vida de cada pessoa. Não é, necessariamente, uma ocasião especial ou espetacular. Muitas vezes Deus se manifesta de forma sutil, simples, como uma Presença percebida e sentida intimamente. Na vida de cada um de nós acontece, em vários momentos, uma manifestação de Deus, uma Epifania.

Há quem busque esses momentos ardorosamente, e muitas vezes os deixa passar desapercebidos porque espera que sejam algo realmente extraordinário, “milagroso”, grandioso. Lamentavelmente, há um tipo de “teologia” e, consequentemente, de pregação, que insiste que algo espetacular deve acontecer na vida da pessoa para que signifique uma intervenção divina. E como isso não acontece, muita gente se sente não merecedora do amor de Deus, sem importância para Deus. Ou então, se torna descrente, achando que toda essa conversa é coisa de gente maluca e fanática (e realmente, esse tipo de conversa é isso mesmo e não tem nada a ver com o Evangelho!).

Há uma ideia errada sobre a ação de Deus, como se Ele necessitasse fazer algo realmente mágico, cheio de efeitos especiais, para manifestar-se. De certa forma, isso se deve à má compreensão da linguagem simbólica dos místicos a qual, sendo poesia, não pode ser tratada com os métodos da racionalidade dualista aristotélica que marca a cultura ocidental desde a Renascença – relações de causa e efeito.  Quando uma pessoa mística fala, por exemplo, que viu uma luz, ela n[Rosto%2520de%2520Cristo%25202%255B3%255D.png]ão está falando de fótons ou de determinados comprimentos de ondas eletromagnéticas que chamamos, na Física, de luz. Quando fala que viu Jesus, não está falando de um rosto material, físico, com nariz, boca, olhos e orelhas; e também não está falando de um fantasma! A experiência com Deus é uma experiência transcendente que, por sermos imanentes, só pode ser narrada por aproximação, como o falar dos poetas. Os místicos usam a linguagem do mistério, como os poetas, como os pintores impressionistas. O Mistério é algo que está oculto porém revelado, o que não se “vê”, mas pode ser visto, como na figura ao lado.

Segundo o mito bíblico(1) da Criação, ao concluí-la Deus viu que tudo é bom, ou seja, tudo está completo (cf. Gênesis 1.31). A Criação significa o nosso mundo, a nossa imanência.  Por isso, quando Deus se manifesta, Ele o faz em nossa realidade imanente, e assim não precisa fazer algo extraordinário além do que Ele mesmo criou. Deus não precisa fazer espetáculo ou um mega-show para que você O perceba! Ele não precisa convencer você. Ele apenas oferece a você o Seu Amor; e respeita a decisão que você toma, de aceitar ou não essa relação.

Os atos amorosos de Deus estão ai, não são espetáculos pirotécnicos, mas coisas simples. Mas profundamente belas! Há outras situações em que percebemos Deus intervindo diretamente, e se você souber ver, com o olhar interior do coração, é tão milagrosa uma cura feita por um profissional médico quanto aquela que acontece às vezes e a racionalidade não consegue explicar, o que muita gente chama de “milagre. Atenção! eu creio em milagres! já vi muitos! são simples e belos!

A nossa inteligência – como nossos sentimentos, resultado das reações químicas e relações físico-químicas entre os nossos neurotransmissores – nos permite o conhecimento do Universo apesar dos inúmeros fenômenos ainda não plenamente compreendidos. Por si mesma, nossa mente  já  é algo maravilhoso: os seres humanos são capazes de estudar a vida, compreender seus mecanismos e intervir para eliminar uma doença! Isso não é maravilhoso? (e também são capazes de destruí-la de forma banal, e isso não é maravilhoso – temos também muita facilidade para conviver com o Mal, mas  isso é outra conversa…).

Não espere que Deus lhe chame para uma sessão privada de efeitos especiais para revelar-Se a você. Deus não é técnico da TV Globo (nem da Record!!!); Deus não é dono de estúdios em Hollywood (apesar do nome “Floresta Sagrada”!!!). Ele se manifesta a você em situações simples, mas muito especiais, especiais para você. Talvez para outras pessoas essas mesmas situações sejam sem graça ou bobagens, mas você sabe que foi especial!

Há um provérbio popular cristão que diz: “o meu Deus é o Deus do impossível, pois o possível eu posso fazer!”  É impossível penetrarmos e descrevermos a Transcendência, onde Deus habita; por isso, Ele Se tornou Presença em nossa imanência! essa Presença nós, cristãos,  identificamos em Jesus Cristo, Verbo feito Carne, e a percebemos  como ação do Espírito Santo! É possível fazermos muitas coisas, e Deus caminha conosco, faz junto conosco, e quando não esperamos – mas cremos – Ele torna o impossível possível!

Abra seus olhos! Há uma Epifania acontecendo em sua vida!

Rev. Luiz Caetano, ost+

(1) – sobre o significado de Mito, veja nossa postagem A Natividade do Senhor.

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04 janeiro 2012

Epifania: o Cristo é reconhecido!

Epifania - Magos 1
" Eis que vieram uns magos do oriente a Jerusalém, e perguntavam: ' Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo.(Mateus 2.1b-2)
Passou o Natal, passou o Ano Novo, terminou o apelo comercial dos presentes, das festas, dos cartões de felicitações... a vida retornou à sua normalidade cotidiana. Ou quase! Alguns ainda estão na exceção das férias de verão.
Mas é nesse tempo de normalidade cotidiana que o calendário cristão ocidental celebra a Festa da Epifania do Senhor. Os cristãos orientais, por sua vez, estão agora celebrando o Natal, pois para eles as duas festas coincidem. Outro lado do mundo... outra hermenêutica... outra teologia... mas o mesmo Senhor, o mesmo Cristo!
Mas nós estamos no Ocidente, com o nosso cristianismo greco-romano marcado fortemente pela Europa Medieval, refrescado pela Reforma no século XVI e renovado de tempos em tempos pelos diversos movimentos que eclodem no seio das comunidades herdeiras da Reforma. Para nós, cristãos ocidentais, a festa da Epifania passa despercebida, sem muita importância. Não está na mídia, e geralmente nem é lembrada em grande parte das Igrejas herdeiras da Reforma e suas descendentes.
Não há vitrinas enfeitadas, não há Papais Noel pelas ruas, não há cartões de boas-festas nem campanhas de solidariedade com os pobres, não há político sorridente prometendo mundos e fundos (especialmente pedindo ou roubando fundos) para o próximo ano. A festa da Epifania é discreta, tão discreta quanto aquele casal que, na periferia de Belém da Judeia, esteva às voltas com um parto de emergência, numa estrebaria. A festa da Epifania não foi poluída pelo consumismo, nem pela necessidade de manifestar gestos de solidariedade temporária que assola as pessoas no tempo do Natal, mas terminam em Janeiro, retornando-se à vida sem sentido do cotidiano consumista...
É bem verdade que, pelo interior do Brasil, ainda existem as Folias de Reis e seus assemelhados culturais, e na cabeça das pessoas ainda há uma leve referência ao Dia dos Reis Magos. Puro folclore, herança cultural e colonial de Portugal e Espanha. Nesse caso é uma festa estranha, porque se celebram reis que não existiram. Pelo menos, Mateus não diz que eram reis, mas que eram magos...
Magos, homens (e mulheres!) de antiga sabedoria, de conhecimentos raros sobre o Cosmos e sobre a Natureza . Pagãos, mas não ateus... Pessoas que tinham não só conhecimento, mas sensibilidade afinada para reconhecer que Deus está agindo e há sinais de novidade nos céus:  “... vimos sua estrela no oriente e viemos para adorá-lo”!
A Epifania é exatamente isso: o reconhecimento da manifestação de Deus, da manifestação de Sua Presença, sem os alardes da publicidade, longe dos Palácios e Estádios, sem ufanismo orgulhoso, presunçoso, arrogante e pernóstico. Na simplicidade do cotidiano, na mesmice do dia-a-dia. O Kairós (tempo oportuno) que acontece no Cronos (o tempo medido), sem interferir no Cronos, mas Kairós perceptível para quem tem a mente e o coração abertos para perceber aquilo que, de tão evidente, se torna imperceptível: a Presença discreta na fragilidade de um recém-nascido; uma Estrela que pouco se destaca entre as milhares do céu noturno, só percebida pela vista acostumada a mirar e a contemplar o Mistério da Criação.
É este espírito de Epifania que queremos viver aqui na São Paulo Apóstolo como parte da Igreja de Cristo, exercendo o ministério de serviço, de comunhão, de anúncio e de testemunho; queremos ser pessoas capazes de conviver solidariamente com os diferentes, queremos desenvolver relações  maiores que a simples  formalidade denominacional, queremos viver o eclesial mais que o eclesiástico, promover intercâmbios e interações constantes, de solidariedade: diakonia (serviço), koinonia (comunhão) e martyria (testemunho).
Que o novo ano civil seja um ano feliz para todos e todas vocês, um ano em que a comunhão seja fortalecida, a partilha seja maior e a esperança seja uma certeza de horizonte factível. Que possamos reconhecer a estrela do Menino-Senhor entre tantas estrelas que povoam nosso céu tropical... para que adoremos e sirvamos fielmente ao Deus da Vida através do serviço e da solidariedade a todas as Suas criaturas, especialmente àquelas que foram criadas à Sua Imagem, segundo a Sua Semelhança (Gênesis 1. 26-27).
Que o Capital Insaciável, o Consumismo Diabólico, o Individualismo Globalizado, a Racionalidade Pervertida, não nos fechem esses horizontes em definitivo!
Rev. Luiz Caetano, ost+
Nota: Este texto foi publicado originalmente em meu blog pessoal, por ocasião da Epifania de 2010; aqui fiz algumas pequenas modificações de cunho pastoral.
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