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08 fevereiro 2013

Sobre milagres: não basta ler, é preciso compreender!

Os 4 Evangelhos 2Muita gente lê os Quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) como se fossem um registro histórico sobre Jesus, isto é, uma “biografia” de Jesus. Se realmente os Evangelhos fossem uma biografia ou um simples relato histórico sobre Jesus, a Igreja Primitiva, quando estes textos foram escritos, os chamaria de Crônicas e não de Evangelhos. Desde cedo os textos que relatam situações da vida de Jesus foram escritos não visando um registro factual, mas para anunciar uma boa notícia, dai serem chamados Evangelhos, palavra grega que significa Boa Notícia, Boas Novas… Ler os Evangelhos com a preocupação de quem lê uma biografia é perder a perspectiva dos autores, é não perceber as boas novas anunciadas.

E mais, a pessoa fica confusa porque os textos não são coerentes entre si, embora Mateus, Marcos e Lucas sejam bem semelhantes, pois foram escritos praticamente no mesmo contexto histórico e geográfico e na mesma época, 30 a 40 anos após o surgimento das comunidades cristãs (evento de Pentecostes). Porém o Evangelho de João surge após o ano 90, em um contexto muito específico e destinado a uma população bem específica: as comunidades judaico-cristãs dispersas em uma região da Ásia que hoje conhecemos como Turquia, as chamadas comunidades joaninas, que viviam a experiência da perseguição pelo Império Romano e pelas sinagogas judaicas, pois em 90 d.C. o Concílio Rabínico reunido em Jamria (Palestina) decidiu que os cristãos eram anátema e os cristãos não poderiam mais participarem da sinagoga.

As narrativas dos milagres de cura que Jesus realizou , por exemplo, querem dizer muito mais do que um simples fato miraculoso. Hoje em dia, as filosofias de prosperidade e auto-ajuda reduzem as narrativas das curas a um simples ato de magia e curandeirismo; porém Jesus não era um curandeiro, (haviam muitos em seu tempo, e prestavam um serviço relevante às populações pobres – como ainda hoje), nem era um mago; Jesus era chamado de Mestre, era conhecido como um rabino, alguém que explica e interpreta a Lei e os Profetas, bases da fé judaica.

Essa forma barata de compreender os milagres reduzem a Fé em Jesus Cristo a uma simples relação de troca com Deus! e um Deus injusto e cruel, porque não faz milagres para todo mundo! As pessoas, iludidas por uma interpretação simplória e geralmente forçada do texto bíblico, vivem no desespero da busca pelo milagre, fazendo mil sacrifícios e práticas insensatas de religiosidade para “merecer a atenção de Deus”; e se o “milagre” não acontece, sentem culpa porque “não tiveram fé suficiente” ou não ofereceram aquilo que Deus desejava delas (geralmente dízimos, trízimos, promessas, etc.). Assim, a narrativa de um “milagre” de Jesus não traz nenhuma Boa Notícia, apenas falsas esperanças… como quando a gente lê a notícia de que alguém ganhou sozinho a Mega-Sena.

Se a intenção da Igreja Primitiva fosse apenas dizer que Jesus fazia milagres, não precisava narrar os fatos com certos detalhes, bastaria uma lista de curas e milagres, sem dar muita explicação sobre como e onde aconteceram. Exatamente por serem narrativas que querem dizer mais que as palavras escritas – apresentar uma Boa Nova! – é que esses textos devem ser lidos e apreendidos com mais profundidade, conhecendo-se seu contexto, pessoas envolvidas, lugares… tudo isso traz uma mensagem que os cristãos àquela época entendiam muito bem e percebiam realmente a Presença de Deus agindo no Mundo – e não apenas na vida de algumas poucas pessoas merecedoras desse carinho divino; todos podiam perceber e experimentar essa ação carinhosa e poderosa de Deus no mundo e em suas vidas, sem esperar por coisas absolutamente mágicas!

Milagres realmente acontecem! mas não acontecem por si mesmos, nem por exibicionismo de Deus! milagres são sinais e significam muito mais do que o fato em si mesmo. É preciso ver além do fato, é preciso compreender a ação de Deus, permitir que Deus Se revele hoje, como Se revelou aos nossos ancestrais na fé.

Por isso, é muito importante que a comunidade da Igreja se reúna, sempre sob a inspiração do Espírito Santo, também para o Estudo da Palavra de Deus, da Bíblia, além da vivência sacramental comunitária e das reuniões de louvor e de oração. É muito importante a leitura pessoal e devocional da Escritura Sagrada, mas também é importante que a comunidade estude e compreenda em profundidade o texto bíblico, para realmente compreender o que Deus está fazendo e nos dizendo hoje!

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Em nossa comunidade paroquial buscamos estudar a Palavra de Deus através dos Sermões de nossos pastores, nos ofícios comunitários. Mas precisamos de mais! Por isso, em breve estaremos divulgando encontros para estudos da Palavra de Deus, além dos nossos ofícios litúrgicos.

Aguarde!

Rev. Luiz Caetano, ost+

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