Não estou
blasfemando! Isso é dito, com muitas palavras indignadas, no Livro de Jonas.
O
Livro de Jonas é uma fábula. Explico: seu texto é um tanto absurdo, mas traz
uma lição importante: a lição sobre o que significa ser Profeta. Trata-se de um texto singelo e até divertido;
é um desabafo e, ao mesmo tempo, uma advertência para quem recebe o chamado para
ser Profeta (e o aceita).
Vamos
ver o que o Livro de Jonas nos ensina sobre o ser Profeta (as citações são da
Nova Tradução na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil)
Certo dia, o SENHOR Deus disse a Jonas, filho de Amitai: — “Apronte-se, vá à grande cidade de Nínive e grite contra ela, porque a maldade daquela gente chegou aos meus ouvidos”. Jonas se aprontou, mas fugiu do SENHOR, indo na direção contrária. Ele desceu a Jope e ali encontrou um navio que estava de saída para a Espanha. Pagou a passagem e embarcou a fim de viajar com os marinheiros para a Espanha, para longe do SENHOR. (Jn 1.1-2)
Estava
lá o Jonas, tranquilo e sossegado, cuidando de sua vida. Então Deus o chamou e
o mandou ir a Nínive! Caramba! Nínive?! a capital da Assíria, um Império cruel
(como todos os Impérios), que arrasou o Reino do Norte (Israel) e levou seu povo
ao cativeiro?!?! Mas que coisa chata!
Jonas
não quis nem saber. Fugiu para o outro lado: ao invés de ir para Nínive, no
oriente, ele se mandou para Társis, no ocidente. O importante é notar que Jonas,
mandado por Deus a Nínive, foi para o outro lado!
Mas
Jonas fracassou em sua fuga! Deus jogou pesado com ele! Uma tempestade no mar,
uma briga com os marinheiros e lá foi o Jonas parar dentro d´água, engolido por
um peixe e, na barriga do peixe, ele
faz sua oração de confissão e se conforma com o chamado de Deus. Ou seja, foi
parar “no fundo do poço”; de lá clamou a
Deus e se arrependeu.
Então
o peixe o vomitou; Jonas tentou fugir, foi engolido e vomitado!!! Que chato! e
que coisa nojenta! (Leia Jn 1.3-2.10).
Mas
o caso não acaba aí. O Jonas ainda vai ter muita chateação!
Deus
chamou Jonas de novo, e ai não teve jeito: lá foi o Jonas para Nínive fazer o
que Senhor havia mandado! Uma lição: quando
Deus quer algo, ELE quer!!! Que chato!
Pela
segunda vez, o SENHOR Deus disse a Jonas: — “Apronte-se, vá à grande
cidade de Nínive e anuncie ao povo de lá a mensagem que eu vou dar a você”. Jonas
se aprontou e foi a Nínive, como o SENHOR Deus havia ordenado. Nínive era
tão grande, que uma pessoa levava três dias para atravessá-la a pé. Jonas
entrou na cidade, andou um dia inteiro e então começou a anunciar: — “Dentro de
quarenta dias, Nínive será destruída!”
(Jn 3.1-4)
Jonas
não era idiota, e assim obedeceu, foi até Nínive e disse o que tinha de dizer
da parte de Deus; mas o fez apenas em um dia (demoraria três para andar a cidade
inteira); talvez tenha
achado que falando apenas a um terço da cidade, bastaria. De fato, bastou! Mas,
para irritação de Jonas, o que ele havia “profetizado”, não se cumpriu!!! Que
chato!
Então
os moradores de Nínive creram em Deus e resolveram que cada um devia jejuar. E
todos, desde os mais importantes até os mais humildes, vestiram roupa feita de
pano grosseiro a fim de mostrar que estavam arrependidos. Quando o rei de
Nínive soube disso, levantou-se do trono, tirou o manto, vestiu uma roupa
feita de pano grosseiro e sentou-se sobre cinzas. Mandou também anunciar ao
povo da cidade o seguinte: “Esta é uma ordem do rei e dos seus ministros.
Ninguém pode comer nada. Todas as pessoas e também os animais, o gado e as
ovelhas estão proibidos de comer e beber. Que todas as pessoas e animais
vistam roupas feitas de pano grosseiro! Que cada pessoa ore a Deus com fervor e
abandone os seus maus caminhos e as suas maldades! Talvez assim Deus mude de
ideia. Talvez o seu furor passe, e assim não morreremos!” Deus viu o que eles
fizeram e como abandonaram os seus maus caminhos. Então mudou de ideia e
não castigou a cidade como tinha dito que faria. (Jn 3.5-10)
Jonas perdeu a paciência! Teve de ir a Nínive, falar algo
muito desagradável, e no fim, deu em nada! Na sua cabeça, Deus fez dele um
palhaço! Chato, né? Mas Deus ainda foi bonzinho com Jonas:
Por
causa disso, Jonas ficou com raiva e muito aborrecido. Então orou assim:— “Ó SENHOR Deus,
eu não disse, antes de deixar a minha terra, que era isso mesmo que ias fazer?
Foi por isso que fiz tudo para fugir para a Espanha! Eu sabia que és Deus que
tem compaixão e misericórdia. Sabia que és sempre paciente e bondoso e que
estás sempre pronto a mudar de ideia e não castigar. Agora, ó SENHOR, acaba com
a minha vida porque para mim é melhor morrer do que viver”. O SENHOR respondeu:
— “Jonas, você acha que tem razão para ficar com tanta raiva assim?” Aí
Jonas saiu de Nínive, foi para o lado onde o sol nasce e sentou-se. Depois,
construiu um abrigo e sentou-se na sombra, esperando para ver o que ia
acontecer com a cidade. Então o SENHOR Deus fez crescer uma planta
por cima de Jonas, para lhe dar um pouco de sombra, de modo que ele se sentisse
mais confortável. E Jonas ficou muito satisfeito com a planta. (Jn 4.1-6)
Mas
não acaba aqui. Ainda tem mais! Deus ainda vai chatear o coitado do Jonas, e o
Jonas vai perder a paciência de vez!
Mas
no dia seguinte, quando o sol ia nascer, por ordem de Deus, um bicho atacou a
planta, e ela secou. Depois que o sol nasceu, Deus mandou um vento quente vindo
do leste. E Jonas quase desmaiou por causa do calor do sol, que queimava a sua
cabeça. Então quis morrer e disse: — “Para mim é melhor morrer do que viver!” Mas Deus perguntou: — “Jonas, você acha que está certo
ficar com raiva por causa dessa planta?” Jonas respondeu: — É claro que tenho
razão para estar com raiva e, com tanta raiva, que até quero morrer!”. (Jn 4.7-9)
Até
parece que Deus é irônico! Deu a planta para oferecer uma sombra e descanso,
depois a tira sem mais nem menos! e ainda pergunta se tem motivo para o Jonas
estar aborrecido! Ora, Jonas chegou no seu limite! Perdeu de vez as
estribeiras.
Finalmente,
chegamos ao final do Livro: Deus dá uma resposta a Jonas que muda todo o
sentido da narrativa.
Então
o SENHOR Deus disse: — “Essa planta cresceu numa noite e na noite seguinte
desapareceu. Você nada fez por ela, nem a fez crescer, mas mesmo assim tem pena
dela! Então eu, com muito mais razão, devo ter pena da grande cidade de Nínive,
onde há mais de cento e vinte mil crianças inocentes e também muitos animais!” (Jn 4.10-11)
Sem
esgotar o assunto, vamos ver o que aprendemos com o Livro de Jonas:
1.
Quando Deus chama de verdade (vocação), a pessoa não tem jeito de fugir. Por
mais estranho, absurdo e chato que seja o chamado, não tem como fugir. Se
fugir, cai na “barriga do peixe”!
2.
Quando Deus chama de verdade (vocação), Ele chateia a pessoa até que ela se
renda ao chamado! É tudo ou nada, não tem meio termo, nem negociação!
3.
O chamado de Deus não é para algo fácil! Vai exigir coragem, porque vai colocar
a pessoa em situações difíceis, chatas; terá de dizer o que ninguém gosta de
ouvir, terá de fazer o que a maioria das pessoas acha absurdo; terá de remar
contra a corrente do senso comum e do comodismo das pessoas! Uma pessoa chamada
por Deus vive indignada e parece ser alguém rebelde que incomoda os outros.
4.
Apesar disso, Deus dá conforto e descanso, por isso, a pessoa chamada é
inconformada, mas não é revoltada!
5.
Muitas vezes a pessoa fica mesmo indignada com Deus. Não compreende o que Deus
realmente quer! Mas, se permanecer constante em oração (comunhão e
intimidade com Deus), o
caminho se torna claro enquanto se caminha.
6.
Ao contrário do que muita gente pensa, um profeta não é um adivinho, uma pessoa
capaz de predizer o futuro. Um profeta é alguém que – a partir de uma
determinada conjuntura – anuncia a vontade de Deus e denuncia o Mal.
7.
Uma pessoa profeta não é dona de sua profecia. Não tem direito nem controle
sobre ela. Apenas tem de falar (Profeta = que fala em nome de), tem de fazer o Deus mandou, sem
ficar avaliando resultados. Quem se acha profeta e quer dirigir a profecia, não
faz profecia, mas “profetada”, uma verdadeira idiotice que pode até enganar
muita gente, especialmente se a “profetada” anunciar coisas boas e confirmar o senso
comum. Quem quer ver resultados da profecia segundo seus próprios interesses,
se dá muito mal. Acaba se frustrando ou enganando a si mesmo e aos outros.
8.
O coração de Deus não se satisfaz com o castigo vingativo, antes, com a
compaixão, misericórdia e perdão. Ao contrário dos grandes Impérios e dos
poderosos do nosso tempo (e de todos os tempos) Deus se compadece das crianças
inocentes e até dos animais, e perdoa os arrependidos, os que resolvem mudar o
rumo de suas vidas (conversão).
9.
De fato, Deus é chato para quem se deixa levar pelas “ondas do momento”,
os apelos da publicidade irresponsável (tão comum em nossos dias), para os acomodados e os
comodistas, quem não enxerga nada além do próprio umbigo, quem só confia em
suas próprias “verdades” ...
Termino
citando um profeta contemporâneo:
“Vejam a situação na qual se acha o mundo. Reconheçam
que Deus está em lágrimas ao sentir o estado de Sua obra. E está em busca de
pessoas que aceitem ser colaboradoras para fazer deste mundo o tipo de mundo
que Ele pretende. A Igreja é feita para fortalecer essa gente companheira de
Deus.
Nós precisamos de gente santa. Nós precisamos de
pessoas que tenham como foco de sua existência um centro para onde tudo
converge. Pessoas que sejam como açudes de serenidade, de tal forma que posamos
ter ondas de paz em um mundo que deve tomar consciência de que cada qual de nós
possui um espaço secreto, feito à semelhança de Deus, o qual só Deus mesmo é
capaz de preencher”.
(Arcebispo Desmond Tutu, citado por D. Sebastião Gameleira in
Rev.
Luiz Caetano, ost+
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Um comentário:
Sempre achei essa fábula de Jonas profunda, o texto me levou a reflexão e algumas memórias. Espero que Deus não precise enviar um "peixe" para me engolir. Ainda "fugindo"... Um dia desses Ele falou "vou te encontrar".
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