Os artigos deste blogue expressam o pensamento de seus autores, e não refletem necessariamente o pensamento unânime absoluto da comunidade paroquial. Tal unanimidade seria resultado de um dogmatismo restrito e isso contraria o ethos episcopal anglicano. O objetivo deste blogue é fornecer subsídios para a reflexão e não doutrinação. Se você deseja enviar um artigo para publicação, entre em contato conosco e envie seu texto, para análise e decisão sobre a publicação. Artigos recebidos não serão necessariamente publicados.

Pesquisar este blog

30 novembro 2011

O Advento

Advento extraO Advento, tempo de quatro semanas que antecede o Natal, marca o início do ano litúrgico  cristão. É um tempo marcado pela esperança!Na liturgia anunciamos a vinda de Deus ao nosso contexto histórico, através de Jesus, o Cristo; mas também afirmamos com esperança a vinda de um novo tempo, de um novo reinado, o reinado de Deus, onde não há choro, nem rancor, nem dor; onde impera a justiça e prevalece a paz.  O Tempo do Advento começou, este ano, no domingo passado, dia 27 de novembro.

Há dois aspectos a serem considerados no Advento. É tempo de reflexão, de avaliação, de revisão e de renovação da vida, de novos propósitos, de planos e visões de futuro.  Nesse sentido, é tempo de esperança, de desenhar  novos rumos para a vida.  Uma oportunidade para recomeçar!

Também é tempo para preparar o coração e acolher o Cristo, Deus Conosco, cujo nascimento celebraremos no Natal. Os textos lidos nas liturgias dos quatro domingos de Advento nos alertam para a denúncia da injustiça que promove o ódio, e nos convidam a uma atitude crítica e proativa em favor dos valores éticos inspirados no Evangelho de Cristo.

Os cristãos creem que, em Jesus o Cristo, Deus se torna pessoa humana, nasce de uma mulher (por isso Maria é chamada Mãe de Deus, Teotókos), chega ao mundo na fragilidade de um bebê, cresce, e caminha pelas ruas e vielas, pelas estradas e caminhos; sente medo e tristeza, vive momentos de angústia e de tentação; também conhece a alegria e se diverte muito. Trata as pessoas com afeto e misericórdia, mas também com severidade àqueles que usam o poder em favor de si mesmos e reage energicamente contra os “donos-da-verdade”. Nesse sentido, ao contrário do que muitos pregam, o cristianismo não é uma “religião espiritual”, mas uma religião profundamente engajada e – de certa forma – materialista, pois afirma que Deus, em Cristo, se tornou matéria (Carne – Sarkis) e habitou entre nós. É a Transcendência de Deus que mergulha na Imanência Humana.

O Deus cristão é um Deus que se torna Presença na História humana, caminhando conosco. Não é um deus espiritual, distante do mundo e das pessoas. A espiritualidade cristã se inspira forçosamente na Encarnação de Deus em Jesus, o Cristo; toda espiritualidade que aliena as pessoas do seu cotidiano, da realidade da vida, e se projeta em um nunca-lugar fora do tempo e do espaço, é anticristã, embora, nos dois mil anos de cristianismo, as instituições religiosas – em todas as épocas – privilegiaram também espiritualidades alienantes… desviando-se do Evangelho. Por isso, de tempos em tempos, a Igreja Cristã passa por reformas e releituras de suas tradições, buscando manter vivo o seu principal e grande paradigma, que é a Encarnação de Deus.

Assim, o tempo do Advento, que nos prepara para o Natal, oferece-nos a possibilidade de reafirmar em nossas vidas o mistério do Cristo – Deus Conosco, Emanuel – e nos permite avaliar nossas práticas cotidianas.

O anúncio: “Vem, Senhor!”, é um clamor pela justiça, pela paz e pela solidariedade. É também o anúncio da esperança de um novo tempo, de uma Vida Nova na plenitude de Deus.

Que em teu coração e em tua mente, as Luzes do Advento permitam vislumbrar o grande Mistério da Encarnação e inspirem novos horizontes para a tua vida!

Assim, o teu Natal não se limitará às correrias de final de ano e aos emocionais gestos de solidariedade inspirados pela mídia do mercado, uma festa de aniversário onde ninguém se lembrou de convidar o aniversariante…  Preparando-se para acolher o frágil Menino-Deus, teu Natal será uma festa alegre, celebrando mais uma vez a Presença de Deus em tua vida!

Rev. Luiz Caetano, ost+

Convidamos você a participar das liturgias dominicais de Advento em nossa Paróquia. Veja a programação na postagem logo abaixo.

===/===

13 novembro 2011

Jesus Cristo, Rei do Universo

cristo_reiA Festa de Cristo Rei encerra o ano litúrgico da Igreja, é celebrada no último domingo do Ano Cristão. É uma festa móvel, pois o calendário litúrgico é organizado a partir da Páscoa, que depende do ciclo anual da Lua. Este ano a Festa de Cristo Rei acontece no domingo 20 de novembro.
A Igreja termina assim o ano litúrgico, que começa no Domingo do Advento (este ano, dia 27 de novembro) com o anúncio da vinda do Redentor, afirmando a vitória e o reinado de Cristo. No tempo litúrgico a festa simboliza o final da História com a chegada do Reino.
A afirmação que Jesus Cristo é o Rei do Universo completa o ciclo de pregação do Evangelho. O Advento fala de Esperança com a vinda do Menino, celebrado no Natal e manifesto no tempo da Epifania. O Tempo da Quaresma se interpola em seguida, para recordar à Igreja o Mistério do Cristo Senhor que, sob a forma de Servo, carrega conosco a cruz da existência, com nossas dores e frustrações, consolando e abrindo caminhos de libertação para todas as pessoas. A Páscoa celebra essa esperança que se concretiza no testemunho do Cristo Ressuscitado, encerrando-se o ciclo Pascal com a Festa da Ascensão do Senhor. Em seguida vem o tempo de Pentecostes, também chamado de Tempo Comum, período em que a Igreja reflete sobre os atos de Jesus, seu ensino e pregação, sua caminhada na História humana. É esse período de pós-Pentecostes que se encerra na festa de Cristo Rei, consumando assim o ciclo de esperança e vitalidade que anima os cristãos.
Dar a Jesus Cristo o título de Rei do Universo é uma maneira de afirmar seu Senhorio, é afirmar que Ele é o Senhor! Mas que Senhor é Ele?
Os primeiros cristãos foram perseguidos pelo Império Romano não exatamente por causa da sua religião, mas pela forma como confessavam a sua fé. Afinal, no Império Romano, mais que hoje, havia total liberdade religiosa. O Império dependia da arrecadação de impostos, especialmente nas terras estrangeiras conquistadas. Isso só seria conseguido sem grandes problemas, mantendo-se os povos conquistados em paz com o Império e até mesmo gostando de ser parte do Império. Havia de ser garantido a qualquer custo, o pão e o circo! Nesse sentido, os Romanos sempre souberam respeitar as culturas dos povos submetidos ao Império e assim, as respectivas religiões.
Havia uma única exigência: a submissão ao Imperador, que era chamado de Pontifex Maximus, um titulo que lhe dava autoridade suprema sobre todas as religiões! como se o Imperador fosse o Sumo Sacerdote de todas as religiões praticadas no Império.  Ao mesmo tempo, o Imperador também tinha o título de Kyrius (Senhor Supremo), ou seja, tudo estava debaixo de seu poder e sua autoridade.
Isso era problemático em se tratando dos cristãos. Em primeiro lugar a consciência de que o Sacerdócio é único em Cristo. Assim, todos os cristãos e cristãs são sacerdotes – cabendo ao clero exercer esse sacerdócio por delegação da comunidade onde serve, ou seja, não há outro sumo sacerdote senão Jesus Cristo. Também o Imperador estava sob a autoridade do Sacerdócio de Cristo. Em segundo lugar, os cristãos davam a Jesus Cristo o título de Kyrius, Senhor Supremo! e assim, o Imperador estava também sob a autoridade moral e política de Cristo!
Pode-se perceber o quanto isso ameaçava a solidez do Império. Ao afirmar que há um único Kyrius e que este é Jesus Cristo, todas as pessoas ficam no mesmo nível: todas são igualmente submissas à autoridade suprema de Cristo – o Filho de Deus, o Deus Encarnado na História e na sociedade humana. Não haviam mais senhores e escravos, nem inimigos, pois todos estavam sob o reinado de Cristo. Por isso, soldados cristãos se negavam a combater contra outros soldados cristãos… até a disciplina militar estava ameaçada!
Portanto, os cristãos significavam um risco político muito sério, pois o poder absoluto do Império era negado! e isso se tornava uma grande ameaça. Por isso, antes de serem condenados, os cristãos presos eram chamados a cuspir ou a pisar a figura de Cristo. Se isso fizessem estavam demonstrando que não O consideravam Senhor Absoluto… se não fizessem isso, eram condenados à morte. Esta é a razão do martírio de muitos cristãos na Igreja dos primeiros séculos: não se submetiam de forma absoluta ao poder de César e seu Império.
Podia-se crer no que se quisesse, podia-se adorar ao deus que se desejasse, desde que a submissão ao Imperador e assim, ao Império, não fosse questionada nem negada.
A famosa frase “Jesus Cristo é o Senhor!”, que há alguns anos aparecia pichada em paredes e nas rodovias, e hoje é tristemente utilizada na mercantilização do sagrado, é exatamente a expressão da fé da Igreja de Cristo  desde seus primórdios.
Assim, festejar Jesus Cristo como Rei do Universo é afirmar que todos os impérios e todos os poderes humanos, de todos os tempos e lugares, não são superiores a Jesus Cristo, Deus Encarnado, O Senhor!  Não há poder absoluto acima de Deus, e Jesus Cristo, “sentado à direita do Pai” (no dizer dos Credos, significando que exerce o poder de Deus) é o Senhor.
É essa mesma fé que confessamos hoje e sempre, como cristãos, e esse é o sentido da festa do Cristo Rei. Ao término do ciclo anual da Liturgia, a Igreja reafirma – como sempre fez desde o princípio – que sua própria existência está subordinada ao Cristo e não a qualquer poder humano, civil, militar ou religioso.
As pessoas que detém autoridade na Igreja, sejam membros do clero ou do laicato, exercem essa autoridade como serviço à comunidade de fé, e não como afirmação de si mesmos. Todo desvio disso é herética e pecaminosa.  Assim também devemos entender que as autoridades constituídas para gerir os assuntos do Estado, em nome do povo, não exercem essa autoridade para si mesmas, mas como serviço aos cidadãos e cidadãs.
A Festa de Cristo Rei no obriga a refletir e avaliar como exercemos o poder em nossas realidades cotidianas, como exercemos a autoridade que nos é delegada (como pais, como professores, como chefes em uma empresa, como patrões, como pastores, etc.) e também como as autoridades que constituímos exercem esse poder. 
A Festa do Cristo Rei nos obriga, partindo da nossa confissão de fé,  a uma reflexão crítica sobre cidadania!
Rev. Luiz Caetano, ost+
===/===