Os artigos deste blogue expressam o pensamento de seus autores, e não refletem necessariamente o pensamento unânime absoluto da comunidade paroquial. Tal unanimidade seria resultado de um dogmatismo restrito e isso contraria o ethos episcopal anglicano. O objetivo deste blogue é fornecer subsídios para a reflexão e não doutrinação. Se você deseja enviar um artigo para publicação, entre em contato conosco e envie seu texto, para análise e decisão sobre a publicação. Artigos recebidos não serão necessariamente publicados.

Pesquisar este blog

10 janeiro 2012

Epifanias

batismo_de_jesusJá estamos na terceira estação do ano litúrgico, o tempo da Epifania. O ano litúrgico começou no Advento, seguiu-se o tempo do Natal e desde dia 6 de janeiro até o domingo no Carnaval, estamos no Tempo conhecido como Epifania. Neste período, os textos do Evangelho de cada domingo nos apresentam situações onde o Senhor se manifesta diretamente, e as lições bíblicas que precedem a leitura do Evangelho nos remetem às situações da vocação da Igreja, e por conseguinte, dos cristãos: o convite ao discipulado, o serviço, a comunhão e o testemunho.

É oportunidade de refletir sobre a forma como desenvolvemos nossa relação com Deus. Todas as pessoas experimentam, de uma maneira ou de outra, em algum momento de suas vidas,  a percepção da transcendência, um encontro com o Sagrado, um momento onde Deus se manifesta na vida de cada pessoa. Não é, necessariamente, uma ocasião especial ou espetacular. Muitas vezes Deus se manifesta de forma sutil, simples, como uma Presença percebida e sentida intimamente. Na vida de cada um de nós acontece, em vários momentos, uma manifestação de Deus, uma Epifania.

Há quem busque esses momentos ardorosamente, e muitas vezes os deixa passar desapercebidos porque espera que sejam algo realmente extraordinário, “milagroso”, grandioso. Lamentavelmente, há um tipo de “teologia” e, consequentemente, de pregação, que insiste que algo espetacular deve acontecer na vida da pessoa para que signifique uma intervenção divina. E como isso não acontece, muita gente se sente não merecedora do amor de Deus, sem importância para Deus. Ou então, se torna descrente, achando que toda essa conversa é coisa de gente maluca e fanática (e realmente, esse tipo de conversa é isso mesmo e não tem nada a ver com o Evangelho!).

Há uma ideia errada sobre a ação de Deus, como se Ele necessitasse fazer algo realmente mágico, cheio de efeitos especiais, para manifestar-se. De certa forma, isso se deve à má compreensão da linguagem simbólica dos místicos a qual, sendo poesia, não pode ser tratada com os métodos da racionalidade dualista aristotélica que marca a cultura ocidental desde a Renascença – relações de causa e efeito.  Quando uma pessoa mística fala, por exemplo, que viu uma luz, ela n[Rosto%2520de%2520Cristo%25202%255B3%255D.png]ão está falando de fótons ou de determinados comprimentos de ondas eletromagnéticas que chamamos, na Física, de luz. Quando fala que viu Jesus, não está falando de um rosto material, físico, com nariz, boca, olhos e orelhas; e também não está falando de um fantasma! A experiência com Deus é uma experiência transcendente que, por sermos imanentes, só pode ser narrada por aproximação, como o falar dos poetas. Os místicos usam a linguagem do mistério, como os poetas, como os pintores impressionistas. O Mistério é algo que está oculto porém revelado, o que não se “vê”, mas pode ser visto, como na figura ao lado.

Segundo o mito bíblico(1) da Criação, ao concluí-la Deus viu que tudo é bom, ou seja, tudo está completo (cf. Gênesis 1.31). A Criação significa o nosso mundo, a nossa imanência.  Por isso, quando Deus se manifesta, Ele o faz em nossa realidade imanente, e assim não precisa fazer algo extraordinário além do que Ele mesmo criou. Deus não precisa fazer espetáculo ou um mega-show para que você O perceba! Ele não precisa convencer você. Ele apenas oferece a você o Seu Amor; e respeita a decisão que você toma, de aceitar ou não essa relação.

Os atos amorosos de Deus estão ai, não são espetáculos pirotécnicos, mas coisas simples. Mas profundamente belas! Há outras situações em que percebemos Deus intervindo diretamente, e se você souber ver, com o olhar interior do coração, é tão milagrosa uma cura feita por um profissional médico quanto aquela que acontece às vezes e a racionalidade não consegue explicar, o que muita gente chama de “milagre. Atenção! eu creio em milagres! já vi muitos! são simples e belos!

A nossa inteligência – como nossos sentimentos, resultado das reações químicas e relações físico-químicas entre os nossos neurotransmissores – nos permite o conhecimento do Universo apesar dos inúmeros fenômenos ainda não plenamente compreendidos. Por si mesma, nossa mente  já  é algo maravilhoso: os seres humanos são capazes de estudar a vida, compreender seus mecanismos e intervir para eliminar uma doença! Isso não é maravilhoso? (e também são capazes de destruí-la de forma banal, e isso não é maravilhoso – temos também muita facilidade para conviver com o Mal, mas  isso é outra conversa…).

Não espere que Deus lhe chame para uma sessão privada de efeitos especiais para revelar-Se a você. Deus não é técnico da TV Globo (nem da Record!!!); Deus não é dono de estúdios em Hollywood (apesar do nome “Floresta Sagrada”!!!). Ele se manifesta a você em situações simples, mas muito especiais, especiais para você. Talvez para outras pessoas essas mesmas situações sejam sem graça ou bobagens, mas você sabe que foi especial!

Há um provérbio popular cristão que diz: “o meu Deus é o Deus do impossível, pois o possível eu posso fazer!”  É impossível penetrarmos e descrevermos a Transcendência, onde Deus habita; por isso, Ele Se tornou Presença em nossa imanência! essa Presença nós, cristãos,  identificamos em Jesus Cristo, Verbo feito Carne, e a percebemos  como ação do Espírito Santo! É possível fazermos muitas coisas, e Deus caminha conosco, faz junto conosco, e quando não esperamos – mas cremos – Ele torna o impossível possível!

Abra seus olhos! Há uma Epifania acontecendo em sua vida!

Rev. Luiz Caetano, ost+

(1) – sobre o significado de Mito, veja nossa postagem A Natividade do Senhor.

===/===

Um comentário:

Liziane Caminho disse...

Diz na Tradição da Ordem que Santa Clara costumava dizer que podia perceber a presença de Jesus todas as manhãs, após as Matinas, quando saia para jogar pão para os passarinhos. Ela dizia que Jesus estava no canto dos passarinhos felizes com o pão.

Postar um comentário

Muito obrigado pelo seu comentário.
Seja breve e objetivo.