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26 outubro 2016

Uma questão de Justiça!

Viuva Chata 2a ovalA conhecida parábola “O Juiz Iníquo” é geralmente interpretada como uma orientação sobre a necessidade de se insistir na oração diante de Deus. Ou seja, Deus é como o juiz iníquo! Arrogante, e cheio de si, tipo aqueles que sempre perguntam ao interlocutor: “sabe com quem está falando?”. Seria Deus tão arrogante assim?  Jesus estava dizendo isso sobre o Papai?
Com certeza, não! Tal identidade contradiz tudo que Jesus nos ensina sobre Papai. Então, o objetivo da parábola é outro.  Vamos ao texto:
1 Jesus contou a seguinte parábola, mostrando aos discípulos que deviam orar sempre e  nun-ca desanimar: 2  — Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus e não respeitava ninguém. 3 Nessa cidade morava uma viúva que sempre o procurava para pedir justiça, dizendo: “Ajude-me e julgue o meu caso contra o meu adversário!” 4  — Durante muito tempo o juiz não quis julgar o caso da viúva, mas afinal pensou assim: “É verdade que eu não temo a Deus e também não respeito ninguém. 5 Porém, como esta viúva continua me aborrecendo, vou dar a sentença a favor dela. Se eu não fizer isso, ela não vai parar de vir me amolar até acabar comigo.” 6 E o Senhor continuou: — Prestem atenção naquilo que aquele juiz desonesto disse. 7 Será, então, que Deus não vai fazer justiça a favor do seu próprio povo, que grita por socorro dia e noite? Será que ele vai demorar para ajudá-lo? 8 Eu afirmo a vocês que ele julgará a favor do seu povo e fará isso bem depressa. Mas, quando o Filho do Homem vier, será que vai encontrar fé na terra? (Lucas 18.1-8 / NTLH)
De fato, o início da narrativa parece sugerir que é isso mesmo, e se a leitura for guiada pelo início do texto, a interpretação é essa: tem de insistir na oração. Então, Deus é como o tal juiz: um sujeito cruel, arrogante e não dá a mínima para nós! A gente tem de chateá-lo muito para conseguir alguma migalha de bênção… Pai “bondoso” Ele, você não acha? caramba! Até parece um daqueles deuses das mitologias antigas, uns sujeitos cheios de caprichos e exigências, não dá pra confiar!
Mas o resto da narrativa sugere uma interpretação mais profunda e mais específica sobre o agir de Deus em relação ao Seu Povo e  a cada um de nós. Não se trata de insistir na oração, mas insisitir que Justiça seja feita! O texto fala de clamor por socorro e de Justiça!
No tempo de Jesus (e, para muitas viúvas e viúvos, ainda hoje!), uma viúva era alguém sem eira nem beira, decorrência da maneira de ver a mulher naqueles dias: era propriedade do pai, e depois do ma-rido. Quando viúva, se já não tinha mais seu pai e não tinha filhos homens, dependia exclusivamente da caridade oficial através do Templo em Jerusalém.  A viúva em questão tinha uma demanda judicial contra alguém, e o resultado era muito importante para ela. Por sua vez, o juiz não lhe dava qualquer esperança, nem providência. Ele é muito importante para se preocupar com uma viúva, ora bolas!
Mas a mulher era insistente (aliás, as mulheres são mesmo assim, insistentes quando buscam alguma coisa!). Ela não desiste, não se conforma, não se “reduz à insignificância” que o juiz lhe destinava; pelo contrário, ela lutava com os meios que tinha: reclamar, incomodar o juiz, até conseguir seu objetivo.  A mulher tinha força de vontade e tenacidade! Uma lutadora que não se deixa levar pelo desânimo.
Leia de novo o texto e reflita bem sobre o que dizem os versículos 7 e 8: 
Será, então, que Deus não vai fazer justiça a favor do seu próprio povo, que grita por socorro dia e noite? Será que ele vai demorar para ajudá-lo? Eu afirmo a vocês que ele julgará a favor do seu povo e fará isso bem depressa. Mas, quando o Filho do Homem vier, será que vai encontrar fé na terra?
O povo que grita por socorro dia e noite receberá justiça, e logo. Mas… será que Ele encontra Fé entre nós? Será que não somos fraquinhos de esperança e nos damos por vencidos diante dos poderes deste mundo?
No tempo de Jesus, o Povo de Deus estava sob o jugo de um Império impiedoso, que se mantinha pelo uso da força e pela idolatria ao Imperador. Hoje, vivemos sob o domínio de muitos Impérios: o Império da Ganância, o Império do Mercado (que nos obriga a consumir até o que não precisamos, para termos identidade), o Império do Poder Corrompido, da manipulação política em benefício de interesses excusos… enfim, falta Justiça! A maioria de nós vive como aquela viúva, dependendo da “boa vontade” das autoridades iníquas que controlam o mundo! Na verdade esses “impérios” são um só…
Quem “grita por socorro dia e noite” não está conformado! Ainda tem esperança! Mas esperança sem Fé em Quem pode salvar, é uma esperança fraca! Mas a Fé garante que há Quem ouça o grito! e por isso, a esperança é muito mais forte!
Não precisamos insistir com Deus para que Ele nos atenda, para que Ele faça justiça! É isso que a parabola diz! Deus é melhor que o juiz, Ele conhece nossa situação e Ele age! A questão é se temos Fé para ver Sua Ação!
Não, meu caro, isso não se refere a te tornares próspero comprando, através de dízimos e ofertas, as bênçãos prometidas por lobos vestidos de pastores! Isso não se refere a trocar de carro todo ano; não tem nada a ver com a tua vaidade consumista! Tem a ver com Justiça, direitos e deveres, solidariedade, compaixão e misericórdia. Deus é misericordioso! Ele não depende da tua Fé para te conceder a bênção, mas depende da tua Fé  veres e compreenderes a bênção que Deus está te dando!
Pense nisso! a viúva não estava insistindo que o juiz lhe desse ganho de causa, nem estava tentando “negociar” a seu favor! Ela apenas pedia que o juiz julgasse sua causa contra seu adversário. Ela até poderia perder a causa, mas exigia seu direito de ter um julgamento.  Ela não estava pedindo uma sentença favorável, apenas que o juiz julgasse a causa! Ela queria uma resposta que lhe permitisse decidir seu futuro, fosse ganhando ou perdendo a causa!
Assim deve ser também a nossa oração! “gritar por socorro” diante de tudo que nos avilta, nos vilenta; reconhecer nossas limitações e confiar que Deus nos dará a bênção necessária, que nem sempre é aquela que nós desejamos. Por isso, quando orar, coloque diante de Deus a tua causa, coloca o teu desejo submisso à Sua Vontade Soberana. E confia! Ele sabe melhor que você, qual a bênção que realmente você precisa! Como todo Papai, Ele nem sempre nos dá o que queremos, mas sempre nos dá o que realmente necessitamos! Deus não é iníquo!
Rev. Luiz Caetano, ost+
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