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11 fevereiro 2016

Deus é muito chato!

Não estou blasfemando! Isso é dito, com muitas palavras indignadas, no Livro de Jonas.

O Livro de Jonas é uma fábula. Explico: seu texto é um tanto absurdo, mas traz uma lição importante: a lição sobre o que significa ser Profeta.  Trata-se de um texto singelo e até divertido; é um desabafo e, ao mesmo tempo, uma advertência para quem recebe o chamado para ser Profeta (e o aceita).

Vamos ver o que o Livro de Jonas nos ensina sobre o ser Profeta (as citações são da Nova Tradução na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil)

Certo dia, o SENHOR Deus disse a Jonas, filho de Amitai:  — “Apronte-se, vá à grande cidade de Nínive e grite contra ela, porque a maldade daquela gente chegou aos meus ouvidos”. Jonas se aprontou, mas fugiu do SENHOR, indo na direção contrária. Ele desceu a Jope e ali encontrou um navio que estava de saída para a Espanha. Pagou a passagem e embarcou a fim de viajar com os marinheiros para a Espanha, para longe do SENHOR.  (Jn 1.1-2)


Estava lá o Jonas, tranquilo e sossegado, cuidando de sua vida. Então Deus o chamou e o mandou ir a Nínive! Caramba! Nínive?! a capital da Assíria, um Império cruel (como todos os Impérios), que arrasou o Reino do Norte (Israel) e levou seu povo ao cativeiro?!?! Mas que coisa chata!


Jonas não quis nem saber. Fugiu para o outro lado: ao invés de ir para Nínive, no oriente, ele se mandou para Társis, no ocidente. O importante é notar que Jonas, mandado por Deus a Nínive, foi para o outro lado!

Mas Jonas fracassou em sua fuga! Deus jogou pesado com ele! Uma tempestade no mar, uma briga com os marinheiros e lá foi o Jonas parar dentro d´água, engolido por um peixe e, na barriga do peixe, ele faz sua oração de confissão e se conforma com o chamado de Deus. Ou seja, foi parar  “no fundo do poço”; de lá clamou a Deus e se arrependeu.
Então o peixe o vomitou; Jonas tentou fugir, foi engolido e vomitado!!! Que chato! e que coisa nojenta!  (Leia Jn 1.3-2.10).
Mas o caso não acaba aí. O Jonas ainda vai ter muita chateação!

Deus chamou Jonas de novo, e ai não teve jeito: lá foi o Jonas para Nínive fazer o que  Senhor havia mandado! Uma lição: quando Deus quer algo, ELE quer!!! Que chato!

Pela segunda vez, o SENHOR Deus disse a Jonas: — “Apronte-se, vá à grande cidade de Nínive e anuncie ao povo de lá a mensagem que eu vou dar a você”. Jonas se aprontou e foi a Nínive, como o SENHOR Deus havia ordenado. Nínive era tão grande, que uma pessoa levava três dias para atravessá-la a pé. Jonas entrou na cidade, andou um dia inteiro e então começou a anunciar: — “Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída!” (Jn 3.1-4)

Jonas não era idiota, e assim obedeceu, foi até Nínive e disse o que tinha de dizer da parte de Deus; mas o fez apenas em um dia (demoraria três para andar a cidade inteira); talvez tenha achado que falando apenas a um terço da cidade, bastaria. De fato, bastou! Mas, para irritação de Jonas, o que ele havia “profetizado”, não se cumpriu!!! Que chato!

Então os moradores de Nínive creram em Deus e resolveram que cada um devia jejuar. E todos, desde os mais importantes até os mais humildes, vestiram roupa feita de pano grosseiro a fim de mostrar que estavam arrependidos. Quando o rei de Nínive soube disso, levantou-se do trono, tirou o manto, vestiu uma roupa feita de pano grosseiro e sentou-se sobre cinzas. Mandou também anunciar ao povo da cidade o seguinte: “Esta é uma ordem do rei e dos seus ministros. Ninguém pode comer nada. Todas as pessoas e também os animais, o gado e as ovelhas estão proibidos de comer e beber. Que todas as pessoas e animais vistam roupas feitas de pano grosseiro! Que cada pessoa ore a Deus com fervor e abandone os seus maus caminhos e as suas maldades! Talvez assim Deus mude de ideia. Talvez o seu furor passe, e assim não morreremos!” Deus viu o que eles fizeram e como abandonaram os seus maus caminhos. Então mudou de ideia e não castigou a cidade como tinha dito que faria.  (Jn 3.5-10)


Jonas perdeu a paciência! Teve de ir a Nínive, falar algo muito desagradável, e no fim, deu em nada! Na sua cabeça, Deus fez dele um palhaço! Chato, né? Mas Deus ainda foi bonzinho com Jonas:

Por causa disso, Jonas ficou com raiva e muito aborrecido. Então orou assim:— “Ó SENHOR Deus, eu não disse, antes de deixar a minha terra, que era isso mesmo que ias fazer? Foi por isso que fiz tudo para fugir para a Espanha! Eu sabia que és Deus que tem compaixão e misericórdia. Sabia que és sempre paciente e bondoso e que estás sempre pronto a mudar de ideia e não castigar. Agora, ó SENHOR, acaba com a minha vida porque para mim é melhor morrer do que viver”. O SENHOR respondeu: — “Jonas, você acha que tem razão para ficar com tanta raiva assim?”  Aí Jonas saiu de Nínive, foi para o lado onde o sol nasce e sentou-se. Depois, construiu um abrigo e sentou-se na sombra, esperando para ver o que ia acontecer com a cidade. Então o SENHOR Deus fez crescer uma planta por cima de Jonas, para lhe dar um pouco de sombra, de modo que ele se sentisse mais confortável. E Jonas ficou muito satisfeito com a planta. (Jn 4.1-6)

Mas não acaba aqui. Ainda tem mais! Deus ainda vai chatear o coitado do Jonas, e o Jonas vai perder a paciência de vez!

Mas no dia seguinte, quando o sol ia nascer, por ordem de Deus, um bicho atacou a planta, e ela secou. Depois que o sol nasceu, Deus mandou um vento quente vindo do leste. E Jonas quase desmaiou por causa do calor do sol, que queimava a sua cabeça. Então quis morrer e disse: — “Para mim é melhor morrer do que viver!”  Mas Deus perguntou: — “Jonas, você acha que está certo ficar com raiva por causa dessa planta?” Jonas respondeu: — É claro que tenho razão para estar com raiva e, com tanta raiva, que até quero morrer!”. (Jn 4.7-9)

Até parece que Deus é irônico! Deu a planta para oferecer uma sombra e descanso, depois a tira sem mais nem menos! e ainda pergunta se tem motivo para o Jonas estar aborrecido! Ora, Jonas chegou no seu limite! Perdeu de vez as estribeiras.

Finalmente, chegamos ao final do Livro: Deus dá uma resposta a Jonas que muda todo o sentido da narrativa.

Então o SENHOR Deus disse: — “Essa planta cresceu numa noite e na noite seguinte desapareceu. Você nada fez por ela, nem a fez crescer, mas mesmo assim tem pena dela! Então eu, com muito mais razão, devo ter pena da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil crianças inocentes e também muitos animais!” (Jn 4.10-11)


Sem esgotar o assunto, vamos ver o que aprendemos com o Livro de Jonas:

1. Quando Deus chama de verdade (vocação), a pessoa não tem jeito de fugir. Por mais estranho, absurdo e chato que seja o chamado, não tem como fugir. Se fugir, cai na “barriga do peixe”!

2. Quando Deus chama de verdade (vocação), Ele chateia a pessoa até que ela se renda ao chamado! É tudo ou nada, não tem meio termo, nem negociação!

3. O chamado de Deus não é para algo fácil! Vai exigir coragem, porque vai colocar a pessoa em situações difíceis, chatas; terá de dizer o que ninguém gosta de ouvir, terá de fazer o que a maioria das pessoas acha absurdo; terá de remar contra a corrente do senso comum e do comodismo das pessoas! Uma pessoa chamada por Deus vive indignada e parece ser alguém rebelde que incomoda os outros.

4. Apesar disso, Deus dá conforto e descanso, por isso, a pessoa chamada é inconformada, mas não é revoltada!

5. Muitas vezes a pessoa fica mesmo indignada com Deus. Não compreende o que Deus realmente quer! Mas, se permanecer constante em oração (comunhão e intimidade com Deus), o caminho se torna claro enquanto se caminha.

6. Ao contrário do que muita gente pensa, um profeta não é um adivinho, uma pessoa capaz de predizer o futuro. Um profeta é alguém que – a partir de uma determinada conjuntura – anuncia a vontade de Deus e denuncia o Mal.

7. Uma pessoa profeta não é dona de sua profecia. Não tem direito nem controle sobre ela. Apenas tem de falar (Profeta = que fala em nome de), tem de fazer o Deus mandou, sem ficar avaliando resultados. Quem se acha profeta e quer dirigir a profecia, não faz profecia, mas “profetada”, uma verdadeira idiotice que pode até enganar muita gente, especialmente se a “profetada”  anunciar coisas boas e confirmar o senso comum. Quem quer ver resultados da profecia segundo seus próprios interesses, se dá muito mal. Acaba se frustrando ou enganando a si mesmo e aos outros.

8. O coração de Deus não se satisfaz com o castigo vingativo, antes, com a compaixão, misericórdia e perdão. Ao contrário dos grandes Impérios e dos poderosos do nosso tempo (e de todos os tempos) Deus se compadece das crianças inocentes e até dos animais, e perdoa os arrependidos, os que resolvem mudar o rumo de suas vidas (conversão).

9. De fato, Deus é chato para quem se deixa levar pelas “ondas do momento”, os apelos da publicidade irresponsável (tão comum em nossos dias), para os acomodados e os comodistas, quem não enxerga nada além do próprio umbigo, quem só confia em suas próprias “verdades” ...

Termino citando um profeta contemporâneo:

“Vejam a situação na qual se acha o mundo. Reconheçam que Deus está em lágrimas ao sentir o estado de Sua obra. E está em busca de pessoas que aceitem ser colaboradoras para fazer deste mundo o tipo de mundo que Ele pretende. A Igreja é feita para fortalecer essa gente companheira de Deus.
Nós precisamos de gente santa. Nós precisamos de pessoas que tenham como foco de sua existência um centro para onde tudo converge. Pessoas que sejam como açudes de serenidade, de tal forma que posamos ter ondas de paz em um mundo que deve tomar consciência de que cada qual de nós possui um espaço secreto, feito à semelhança de Deus, o qual só Deus mesmo é capaz de preencher”.
(Arcebispo Desmond Tutu, citado por D. Sebastião Gameleira in


Rev. Luiz Caetano, ost+


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Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre achei essa fábula de Jonas profunda, o texto me levou a reflexão e algumas memórias. Espero que Deus não precise enviar um "peixe" para me engolir. Ainda "fugindo"... Um dia desses Ele falou "vou te encontrar".

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