Os artigos deste blogue expressam o pensamento de seus autores, e não refletem necessariamente o pensamento unânime absoluto da comunidade paroquial. Tal unanimidade seria resultado de um dogmatismo restrito e isso contraria o ethos episcopal anglicano. O objetivo deste blogue é fornecer subsídios para a reflexão e não doutrinação. Se você deseja enviar um artigo para publicação, entre em contato conosco e envie seu texto, para análise e decisão sobre a publicação. Artigos recebidos não serão necessariamente publicados.

Pesquisar este blog

24 setembro 2012

O maior é o menor!

cristo_rey_2[1]“E chegaram a Cafarnaum. Quando ele estava em casa, perguntou-lhes: "O que vocês estavam discutindo no caminho?" Mas eles [os discípulos] guardaram silêncio, porque no caminho haviam discutido sobre quem era o maior. Assentando-se, Jesus chamou os Doze e disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, será o último, e servo de todos". (Marcos 9:33-35 – Nova Versão Internacional).

A afirmação de Jesus veio na contra-mão das expectativas de seu tempo, e também do nosso tempo. Que contradição: o maior deve ser o menor! o primeiro deve ser o último! Uma nova maneira de conceituar o poder: o poder é dado para que se possa servir! Autoridade como serviço, e portanto, subalterna ao bem comum!

Talvez seja por isso que a Igreja Cristã, a partir de determinado momento, organiza seu clero em três Ordens: diaconato, presbiterado e episcopado, uma ordem dada sobre a outra, sendo o diaconato a primeira a ser dada. Nós, episcopais anglicanos mantemos essa tradição, o que significa que todo nosso clero é formado por diáconos (servos), onde alguns diáconos são também presbíteros e outros diáconos são, além de presbíteros, bispos. Outras identidades eclesiais separam o diaconato do presbiterado, mas nós seguimos a Tradição que vem dos primeiros séculos da Igreja.

Entretanto, a afirmação de Jesus vai além da Igreja, é um alerta ao mundo. Somos (mal) educados, como cidadãos, a entender que a Autoridade é soberana (e o é), mas de forma absoluta. Confundimos, por exemplo, Governo (quem exerce a autoridade) com Estado (a organização social onde exercício da autoridade é delegado às pessoas que compõem o Governo); e assim nos acostumamos com a corrupção e com as trocas de favores: “vou votar em fulano de tal porque se eleito vai me dar um emprego!”; “não vou votar no sicrano porque quando foi prefeito não dava passagem de ônibus de graça para eu ir à cidade vizinha!”  como se o prefeito ou qualquer autoridade pudesse dar aquilo que não lhe pertence (é do Estado), mas está sob seu cuidado (administração, isto é, governo). 

Assim, entendemos a autoridade como sendo o maior e mais importante, e lhe atribuímos, por ignorância devida à nossa má educação, o poder absoluto de fazer o que quiser com o bem comum; então surgem as badalações, as trocas de favores, a corrupção. Achamos tudo isso normal, como se fosse natural que o mundo seja assim: alguns tomam o poder e favorecem os seus amigos e aliados e desprezam todo o resto da população.  Até mesmo para fazer uma obra em benefício da população, favorecem seus comparsas através da burla em licitações, permissão de superfaturamento, vista grossa quando a lei é ferida, etc. Vemos isso todos os dias denunciado pela imprensa e achamos tudo muito natural.

A Palavra de Jesus é muito clara e objetiva: a autoridade é para o serviço! Não é algo dado a uma pessoa para ela mesma, mas para capacitá-la ao serviço em benefício de todas as demais pessoas sob sua autoridade, em benefício do bem estar de todos!

Os cristãos, realmente comprometidos com a Palavra de Deus, têm o dever de exercer sua cidadania em plenitude e não se conformarem com o senso comum (o mundo).  É dever ético cristão, implícito nas palavras de Jesus que a comunidade de fé anuncie essa visão de poder, denuncie os que abusam do poder e testemunhe, através de sua atitude cidadã, a Palavra de Deus.

Isso começa no nosso universo pessoal: como exerço a autoridade em minha casa, na qualidade de pai ou de mãe? como exerço minha autoridade sobre aqueles que são meus empregados, ou subordinados no trabalho? Se me foi delegado um cargo de autoridade, por exemplo, síndico do prédio, diretor da associação do bairro, professor, diretor de escola, etc., como eu a compreendo? como eu exerço esse poder que me foi delegado?

Assim, começando em nossas relações familiares, passando pelas relações profissionais, vamos exercendo a cidadania não só neste mundo, mas sinalizando sermos cidadãos de um outro Reino, o Reino de Deus, o Reino daquele “… que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Filipenses 2:6-8 – Nova Versão internacional).

Rev. Luiz Caetano, ost+

===/===

11 setembro 2012

Diante de Jesus, não há neutralidade

TabernáculosDepois disso Jesus percorreu a Galileia, mantendo-se deliberadamente longe da Judéia, porque ali os judeus procuravam tirar-lhe a vida. Mas, ao se aproximar a festa judaica dos tabernáculos, os irmãos de Jesus lhe disseram: "Você deve sair daqui e ir para a Judéia, para que os seus discípulos possam ver as obras que você faz. Ninguém que deseja ser reconhecido publicamente age em segredo. Visto que você está fazendo estas coisas, mostre-se ao mundo". Pois nem os seus irmãos criam nele. Então Jesus lhes disse: "Para mim ainda não chegou o tempo certo; para vocês qualquer tempo é certo. O mundo não pode odiá-los, mas a mim odeia porque dou testemunho de que o que ele faz é mau. Vão vocês à festa; eu ainda não subirei a esta festa, porque para mim ainda não chegou o tempo apropriado". Tendo dito isso, permaneceu na Galileia. Contudo, depois que os seus irmãos subiram para a festa, ele também subiu, não abertamente, mas em segredo. Na festa os judeus o estavam esperando e perguntavam: "Onde está aquele homem? " Entre a multidão havia muitos boatos a respeito dele. Alguns diziam: "É um bom homem". Outros respondiam: "Não, ele está enganando o povo". Mas ninguém falava dele em público, por medo dos judeus. Quando a festa estava na metade, Jesus subiu ao templo e começou a ensinar.  (João 7:1-14- Nova Versão Internacional)

A Festa dos Tabernáculos tinha como objetivo fazer o povo se lembrar do tempo em que morou em tendas, durante a peregrinação pelo deserto, e que Deus o sustentou ali, após livra-los da escravidão no Egito (Levíticos 23:33-43). Em hebraico, essa festa é chamada de Sucot – que significa tendas – e toda a região próxima a Jerusalém ficava coberta de cabanas ou tendas feitas de ramos de árvores. Todos os peregrinos ficavam vivendo em tendas durante aqueles dias. A Festa era também conhecida como Festa da Colheita, Festa da Sega, Festa das Cabanas; acontecia no sétimo mês do calendário judaico, cinco dias após o Dia da Expiação, e durava uma semana;  no oitavo havia uma celebração solene (Êxodo 23:16-17; 34:22). Era realizada logo após a colheita do trigo e dos frutos próprios da estação; assim, a celebração servia como memória da provisão divina, que nunca faltou, mesmo nos momentos mais duros, quando o povo viveu peregrino no deserto (Levíticos 23:43). Era a festa religiosa mais alegre naqueles tempos.

Jerusalém ficava lotada de peregrinos, vindos de todo o país.  Havia muita gente e também muitas atrações. Como em nossos dias, em grandes festas populares, havia  vendedores de diversas coisas, como os “camelôs” de nossos dias, e também pessoas que se autodenominavam profetas, curandeiros, e até quem se apresentava como sendo o Messias esperado.

Por isso, os irmãos de Jesus sugerem que ele procurasse o sucesso em meio à multidão que se reuniria para a Festa, mostrando publicamente os prodígios que Ele podia realizar! Para sua família, se Jesus fizesse sucesso, como alguns curandeiros faziam, ele ganharia muito dinheiro e sua família ganharia também prestígio. Nesse sentido, o texto nos mostra que Jesus recusa a ideia de sucesso. E manifesta seu desagrado com palavras duras: não era seu momento e chama seus irmãos de mundanos, de darem importância às glórias do mundo!

Os Evangelhos mostram, em muitos trechos, que Jesus sempre recusou autopromover-se a custa de “milagres”, sempre recomendou que não se desse publicidade quando realizava alguma cura. Porque Jesus não fazia milagres para autopromover-se, mas os fazia para sinalizar a ação de Deus e a chegada de Seu Reino. Importava para Jesus que as pessoas mudassem de atitude diante da vida e das relações sociais; não lhe interessava um séquito de admiradores dependentes e aduladores.

Mas podemos também nos perguntar se a sugestão dos irmãos de Jesus seria alguma insinuação cínica para que ele ficasse exposto aos que o perseguiam, testando sua coragem.  Porque Jesus já estava sendo perseguido pelos líderes religiosos que viviam da ignorância e da exploração do povo. Na verdade, Jesus nada fazia para provoca-los. Suas palavras e suas ações incomodavam porque por si mesmo denunciavam as más intenções daquelas pessoas. Vemos hoje muito disso em todas as situações humanas: em meio a pessoas desonestas, quem seja honesto – só pela sua atitude – denuncia os demais; um juiz que age com justiça denuncia, pelo seu gesto, aqueles que são venais ou estão a serviço de elites dominantes…  ou seja: a presença da bondade, da justiça, da solidariedade, denuncia por si só a maldade, a malignidade!

Assim, como hoje, também naquele tempo, os bons eram perseguidos porque sua simples presença revela a maldade que se oculta no cinismo e no populismo.

Jesus resolveu viajar incógnito até Jerusalém. Até mesmo para evitar que grupos de peregrinos começassem a seguí-lo à espera de milagres e prodígios… e também para não chamar a atenção dos seus perseguidores. Mas em Jerusalém, acabou expondo-se no Templo. E, na sequencia do texto acima, vê-se que as autoridades do templo o mandaram prender, mas o guardas se recusaram a cumprir a ordem; além disso, houve quem o defendesse entre as autoridades… (leia todo o capítulo 7 do Evangelho de João!).

Nas palavras de Jesus, o mundo o odeia! assim como o mundo odeia todos que denunciam, através das atitudes, a maldade que existe, a dureza de coração, o egoísmo, a injustiça, a ganância…

Jesus é uma personalidade que denuncia o mal em sua totalidade apenas demonstrando Sua bondade! Diante de Jesus não se fica em neutralidade: ou aceitamos sua atitude ou rejeitamos. A leitura da Palavra de Deus, especialmente dos Evangelhos, nos coloca diante de uma escolha: afinal, o que fazemos de nossas vidas? o que realmente nos importa? vai amar ou não vai amar?

Qual a tua resposta?

Rev. Luiz Caetano, ost.

(Este texto foi produzido a partir de uma reflexão com o Rev. Daniel e com a Simone Cunha, de Recife. Agradeço a ambos as sugestões.)

===/===