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30 maio 2012

Clamor!

clamor 1Muito tempo depois, morreu o rei do Egito. Os israelitas gemiam e clamavam debaixo da escravidão; e o seu clamor subiu até Deus. Ouviu Deus o lamento deles e lembrou-se da aliança que fizera com Abraão, Isaque e Jacó. Deus olhou para os israelitas e viu qual era a situação deles. (…) [Deus disse ainda a Moisés]: "Eu sou o Deus de seu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó". Então Moisés cobriu o rosto, pois teve medo de olhar para Deus. Disse o Senhor: "De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, e também tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo. Por isso desci para livrá-lo das mãos dos egípcios e tirá-los daqui para uma terra boa e vasta, onde manam leite e mel: a terra dos cananeus, dos hititas, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus. Pois agora o clamor dos israelitas chegou a mim, e tenho visto como os egípcios os oprimem. (Êxodo 2:23-25; 3:6-9 – Nova Versão Internacional)

Do dicionário: clamar (lat clamare) 1 Bradar, gritar, proferir em altas vozes. 2 Protestar, vociferar. 3 Exorar, implorar.4 Exigir, reclamar.

Em várias passagens a Bíblia afirma que Deus ouve o clamor do Seu povo e age em seu favor. O clamor do povo de Deus move o Seu Coração e O faz agir de forma absoluta, transformando a realidade, mudando a situação! O texto de Êxodo, acima, é um dos exemplos.

Mais do que uma oração de intercessão ou de petição, o clamor é uma oração de exigência, de protesto, diante de uma situação real que contraria o projeto de Deus e Sua promessa. O clamor revela principalmente, indignação! Deus ouve o clamor e se move porque o clamor representa também uma disponibilidade de mudança e de obediência à Sua Vontade por parte de quem clama!

O clamor significa total dependência à vontade de Deus e confiança em Seu Amor. Afinal, clamar é decorrente da percepção que todas as tentativas feitas por nós mesmos resultaram em fracasso, a realidade continua opressiva e a vida insuportável. O verdadeiro clamor surge desta percepção da realidade e da nossa incapacidade de mudar essa realidade por nós mesmos! Esgotaram-se todos os recursos humanos disponíveis. Nada resta senão clamar diante de Deus e abrir-se à Sua ação.

Não se trata de desespero! mas de profunda esperança na ação amorosa de Deus, e disponibilidade de agir conforme Deus dará, através do Seu Espírito, a inspiração e a direção para o movimento de mudança, estando Ele mesmo agindo conosco!

Portanto, o clamor não significa passividade na espera do agir de Deus, mas disposição e abertura da mente para perceber e acolher a orientação de Deus, e agir conforme tal orientação. Os israelitas clamaram e Deus levantou Moisés para comandar a ação do povo; Moisés fez sua parte, admoestando o Faraó e conclamando o povo; Deus fez sua parte agindo diretamente contra o Egito; o povo fez sua parte, dispondo-se a caminhar rumo ao desconhecido – uma nova terra, prometida por Deus – permitindo que Deus o guiasse através do deserto, por longo tempo... a nova realidade não acontece de imediato, implica em uma nova caminhada e disposição de caminhar!

Há momentos em nossa vida que precisamos clamar. Há momentos na vida da comunidade e da Igreja em que precisamos clamar! Não tenhamos medo de fazer isso, de protestar diante de Deus, pois Deus tem um compromisso conosco, o compromisso da Paternidade e da Maternidade.  Clamar não é “cobrar de Deus”, mas afirmar que estamos dispostos a assumir nossa parte em Sua ação transformadora da realidade, que vamos agir, não mais sozinhos, mas com Ele!

A humanidade, e portanto a Igreja de Deus, vive hoje situações realmente complicadas. Quando analisamos friamente a realidade sentimo-nos impotentes. Há elites que governam tudo e impõem os valores da morte para garantirem sua vida. Como no antigo Egito!  É necessário clamar diante de Deus! e seguir com Ele um novo caminho!

Podemos estar vivendo uma situação de vida complicada, com sérios problemas de saúde, com dificuldades financeiras, totalmente impotentes diante da situação. É necessário clamar diante de Deus e estar atento ao Seu mover, com disposição para seguir Sua orientação, e fazer o que nos couber fazer!

Não tenha receio! Deus te ama! Clama diante de Deus contra aquilo que te oprime, que te traz indignação! O Senhor ouvirá o teu clamor! e te dará forças para um novo caminhar, pois caminhará contigo!

Luiz Caetano, ost

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22 maio 2012

Entendendo o Pentecostes

Pentecostes 06

Logo estaremos celebrando o Domingo de Pentecostes, quando a Igreja festeja a vinda do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus, inaugurando a Missão e, assim, a própria Igreja de Cristo. Todavia, o Pentecostes não é uma festa originariamente cristã, mas é uma das nossas heranças do Judaísmo. A Festa do Pentecostes era celebrada sete semanas depois da Páscoa Judaica e está referenciada no Antigo Testamento, e recebeu vários nomes conforme a época (cf. Wikipédia):

    • Festa da Colheita ou Sega - no hebraico hag haqasir. Por se tratar de uma colheita de grãos, trigo e cevada, essa festa ganhou esse nome.(Ex 23.16).
    • Festa das Semanas - no hebraico, hag xabu´ot. A razão desse nome está no período de tempo entre a Páscoa e esta festa, que é de sete semanas. Esta festa acontece cinquenta dias depois da Páscoa, com a colheita da cevada; o encerramento acontece com a colheita do trigo (Ex 34.22; Nm 28.26; Dt 16.10).
    • Dia das Primícias dos Frutos - no hebraico yom habikurim. Este nome tem sua razão de ser na entrega de uma oferta voluntária, a Deus, dos primeiros frutos da terra colhidos naquela sega (Nm 28.26). Provavelmente, a oferta das primícias acontecia em cada uma das três tradicionais festas do antigo calendário bíblico. Na primeira, Páscoa, entregava-se uma ovelha nascida naquele ano; na segunda, Colheita ou Semanas, entregava-se uma porção dos primeiros grãos colhidos; e, finalmente, na terceira festa, Tabernáculos ou Cabanas, o povo oferecia os primeiros frutos da colheita de frutas, como uva, tâmara e figo, especialmente.
    • Festa de Pentecostes. As razões deste novo nome são várias: (a) nos últimos trezentos anos do período do Antigo Testamento, os gregos assumiram o controle do mundo, impondo sua língua, que se tornou muito popular entre os judeus. Os nomes hebraicos - hag haqasir e hag xabu´ot - perderam as suas atualidades e foram substituídos pela denominação Pentecostes, cujo significado é cinquenta dias depois (da Páscoa). Como o Império Grego passou a ter hegemonia em 331 a.C., é provável que o nome Pentecostes tenha ganhado popularidade a partir desse período.
    • Enquanto a Páscoa era uma festa caseira, Festa da Colheita ou das Semanas ou Pentecostes era uma celebração agrícola, originalmente, realizada na roça, no lugar onde se cultivava o trigo e a cevada, entre outros produtos agrícolas. Posteriormente, essa celebração foi levada para os lugares de culto, particularmente, o Templo de Jerusalém. Observação: Era ilegal usufruir da nova produção da roça, antes do cerimonial da Festa das Colheitas (Lv 23.14).

Todavia, o Livro dos Atos dos Apóstolos (At. 2:1-11)  relata que:

Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar.   De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava. Havia em Jerusalém judeus, tementes a Deus, vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se este som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: "Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna? Partos, medos e elamitas; habitantes da Mesopotâmia, Judéia e Capadócia, Ponto e da província da Ásia, Frígia e Panfília, Egito e das partes da Líbia próximas a Cirene; visitantes vindos de Roma, tanto judeus como convertidos ao judaísmo; cretenses e árabes. Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!" 

O autor de Atos, São Lucas, informa que na “festa da colheita” o Espírito Santo dá início à Missão dos Apóstolos, e os capacita para isso – eles se tornam capazes de testemunhar o Evangelho a todos os povos conhecidos de então, os povos que habitam no vasto território do Império Romano. O Espírito Santo torna o Evangelho (a Boa Nova) compreensível para pessoas de diferentes lugares, diferentes contextos e diferentes culturas: não mais limitado ao pequeno território entre a Galileia e a Judéia, o Evangelho agora começa a espalhar-se pelo mundo,  através das testemunhas do Ressuscitado, até os confins da Terra, movimento este previsto pelo Profeta Joel alguns séculos antes:

" [...] derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os velhos terão sonhos, os jovens terão visões. Até sobre os servos e as servas derramarei do meu Espírito naqueles dias. Mostrarei maravilhas no céu e na terra, sangue, fogo e nuvens de fumaça. O sol se tornará em trevas, e a lua em sangue; antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo, pois, conforme prometeu o Senhor, no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento para os sobreviventes, para aqueles a quem o Senhor chamar. (Joel 2:28-32)

Pentecostes 04

Assim nasce a Igreja, a Comunidade de Jesus, não uma instituição, mas a comunidade que, a partir do testemunho dos Apóstolos, se reúne em comunhão em torno de Jesus Cristo, o Ressuscitado. Com o passar do tempo, a Igreja vai adquirindo caráter institucional, muitas vezes desvia-se de sua verdadeira tarefa, algumas vezes torna-se até instrumento do Mal, mas o Espírito Santo a dirige, a corrige e a reforma sempre que necessário.

O Pentecostes que celebramos hoje é sempre a recordação do que significa ser Igreja de Cristo: a comunidade movida e capacitada pelo Espírito de Deus, pessoas em comunhão solidária testemunhando o poder de Deus em suas vidas e proclamando um novo Reinado, não o Reinado de César, mas o Reinado de Cristo, um Novo Mundo plenamente possível! O Espírito de Deus se move em nosso mundo conduzindo a Igreja – Comunidade de Testemunho – na fidelidade à missão delegada por Jesus, o Cristo, o Ressuscitado!

Luiz Caetano, ost+

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03 maio 2012

Será que é Verdade? Será?

Jesus diante de Pilatos 1     Durante o julgamento de Jesus, segundo o Evangelho de João, Pilatos faz a pergunta chave: "Então, você é rei?", Jesus respondeu: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem”. “Que é a verdade?”, perguntou Pilatos. (João 18.37-38).
Verdade tem vários significados: desde o cerne do caso, estar de acordo com os fatos ou a realidade, até ser fiel às origens ou a um padrão. Uso mais antigo abarcava o sentido de fidelidade, constância ou sinceridade em atos, palavras e caráter . Assim, a verdade pode significar o que é real ou possivelmente real dentro de um sistema de valores vigentes. Estas qualificações da verdade implicam o imaginário, a realidade e a ficção, das culturas. Questões centrais em matéria de antropologia cultural, arte,  filosofia e até ser atribuída à própria razão.